2009/05/27

Sempre a mesma coisa.

Olhos colados no tecto, e nada senão escuro. 3 horas passadas desde o ritual que executo todas as noites antes de deixar finalmente cair a cabeça na almofada. E nada. Sinto-me cansado, mas não durmo. Acho que o meu corpo já trabalhou demais por hoje, mas a minha cabeça ainda não está preparada para se deixar ir. Malditas insónias. Acotovelo a almofada.

Passam-me pela cabeça todas as coisas do dia, da vida, dos outros, dos mesmos de sempre. Planos, entregas, chatices e sonhos numa confusão de pensamentos que se atropelam por uma ponta de atenção na esperança de se sentirem resolvidos. Irritado com a confusão, rodo 90 graus sobre mim mesmo, para a posição "que faz dormir".

Mas nada funciona. Os números vermelhos do meu despertador parecem gozar comigo. Cada vez que muda um minuto, actualizo na minha cabeça as contas das horas de sono que ainda posso ter pela frente. Contabilizo as coisas que podia ter feito nas horas que desperdicei ali, preso entre os lençóis. Fecho os olhos com mais força.

No silêncio do meu quarto, ouço o meu estômago. Queixa-se. Diz que já passaram horas a mais desde que jantei. E tem razão. Numa espécie de acrobacia de zombie, rebolo para fora da cama e acendo a luz - "Ei, ouve lá..." - dizem os meus olhos já desabituados à claridade. No chão ingrato e frio da cozinha, enfio um par de pães com "nada", para enganar a fome e volto ao meu quarto para me sentar na cama e refazer as contas do sono, enquanto acabo de mastigar - ouvi dizer que faz mal comer deitado - e volto ao quentinho.

Eventualmente, chega o João Pestana, ofegante e atrapalhado, pede desculpa pelo atraso e dá-me o merecido descanso.

"És sempre a mesma coisa..." - respondo-lhe, do dia seguinte, ao acordar.

2009/05/19

Cantarolar


Vezes. Umas delas estou mal disposto, outras bem.

Hoje estou bem disposto e é num post que decidi eternizar o sentimento. Não estou assim por nenhuma razão em específico mas por todas em geral. Não sou gajo de andar a sorrir ou rir a torto e a direito, escolho antes cantarolar. É bem parvo, eu sei, mas cada qual tem o seu modo de ser. Nem canto particularmente bem.

Hoje Portugal vai ser diferente. Hoje temos dado os passos correctos. Hoje fizemos o que devia ser feito. Hoje aconteceu o que tinha que acontecer e reagimos como podémos reagir. Hoje toda a gente se moveu pelas coisas que acredita. E tudo isto porque decidi cantarolar.

Ilegalmente com os phones postos no meu carro, cantarolava o "Jamming", num improviso ridículo de impulsos, quando, no trânsito parou ao meu lado um casal. Ambos sorriram ao som do Rei do Raggae, e acredito que o resto do dia foi melhor para eles.

Ainda à espera do elevador, ao som da "Mysteries" da Beth Gibbons, abri a porta de olhos ainda fechados. Do outro lado, uma mãe de filhos recebeu-me com um sorriso constrangido ainda incerta da minha sanidade mental. - "Ora muito boa tarde, como está?" - e perdeu-se o constrangimento. Apostei comigo mesmo que o beijo que deu à sua família foi mais ternurento do que o habitual por causa deste episódio. Aposto que ganhei a aposta.

Já no meu ritual nocturno de computador, o meu pai veio despedir-se de mim. Dei-lhe um beijo sem deixar de cantarolar a música que estava a dar no meu YouTube:
- "Estás muito bem disposto, my son"
- "Tem dias, Paizão....tem dias..."

2009/05/17

No tempo em que as pessoas cantavam...


Houve um tempo, há já muitos anos atrás, em que a quinta do meu avô tinha videiras. Por entre as falhas da minha memória, lembro-me que no Outono era a época das vindimas, e juntavamos toda a famelga para colher as uvas que o Verão tinha amadurecido. Lembro-me que metade das uvas iam para o cesto, lembro-me que a outra metade acabava nas barrigas da boa dúzia de bem dispostos que com escadotes passavam o dia entre as folhas, conversando ao longe com tesouras de poda na mão. Trabalhavámos aos pares, um em cima um em baixo numa logística improvisada por um grupo com média de idades não superior aos 14 anos.

Tal laboro, deixava o povo cansado, faminto de descanso mas satisfeito pelo convívio que a época das vindimas carregava com ela. Nós iamos carregando os largos cestos para a adega onde sabiamos que se ia passar, algumas horas mais tarde, um ritual sem preço.

Após um merecido descanso, patrocinados por um qualquer refrigerante, dirigiamo-nos para o grande lagar para iniciar a parte preferida de todos, enquanto os "grandes" colocavam as uvas em posição. Arregassávamos ou tiravamos as calças, respirávamos fundo, e literalmente marchavamos em cima dos frutos colhidos, ao som de cantigas , de ombros dados, de sorrisos nos lábios, meios enojados pela sensação de estar enterrados até às coxas no néctar que um dia alguém havia de beber, ainda com cachos que arranhavam os pés e bagos de uvas que teimavam em se deixar enliquidecer.

Desconheço a qualidade do vinho que ali era produzido. Mas como enólogo de recordações, digo que estes anos foram de vintage.

2009/05/04

O que realmente interessa...

A estória da Carochinha...já todos ouvimos, a maior parte deve lembrar-se parcialmente do que ouviu...Agora, com 23 anos, eis que me deparei com este marco da literatura infantil, e não posso deixar de partilhar a minha confusão (confundo-me muito facilmente). Confesso que não me lembrava da estória até pesquisar a internet de novo.

A Carochinha era portanto uma carocha, muito vaidosa...que queria casar. A maneira que encontrou de procurar o seu amado foi perguntar da sua janela quem é que queria casar com ela. Basicamente rejeitou uma data de animais (literalmente), baseados na sua voz...Pois que chega o João Ratão (que devia ter uma voz de rouxinol) e ela lá aceitou casar com ele. No dia do casamento, O João Ratão voltou a casa para ir buscar as luvas e ao espreitar caiu no caldeirão (que coincidência rimar), e a carochinha ficou muito triste.

Pára 10 segundos para pensar nesta estória...

Já está? Um amigo meu recentemente voltou-me as ideias a simbologia destes contos de crianças..Vejo aqui algumas interpretações possíveis:

1. Cuidado meninas, a escolherem o vosso marido. Qualquer João Ratão, pode ser estúpido ao ponto de se enfiar num caldeirão e morrer afogado e cozinhado.
2. Meninos, não casem com uma menina que cozinhe em caldeirões grandes, que são traiçoeiros.
3. Se é para o marido cair no caldeirão, mais vale casar com um porquinho, que sempre dá para fazer um pratinho gostoso.
4. E esta parece-me a mais interessante, um grande monte de metáforas. Talvez só eu veja a morbidez de alguém a morrer cozido num caldeirão, especialmente no final de uma história para crianças. Mas vamos tentar pôr algum sentido...Em primeiro lugar, são rejeitados uma data de animais e o escolhido é um rato. Um rato com uma voz fininha. Chamado João Ratão. Um galã certamente, mas manhoso...esta será a parte mais óbvia..Seguidamente, nota-se um grande salto na história..Do convite para o casamento. E o João Ratão volta a casa...buscar o quê? "As luvas"...Será ou não, a mais brilhante metáfora de sempre para preservativo? Rapaz galã e guloso, que se esqueceu das "luvas" no dia do "casamento"...O que eu acho, meu amigos...é que esta história é um aviso sério ao sexo antes do casamento. Posso estar enganado, e provavelmente até estou.

Mas eu não me canso...