2009/01/19

Marés

Descalço de sabedoria e nos pés, atacava as rochas da praia do paraíso, levando um gancho na mão e a vontade no coração. Levava também o meu pai, que se dedicava á procura dos mexilhões certos para a massa. Eu não me contentava com conchas. Queria lutar com os monstros de 8 pernas. Para além da minha arma, estava equipado com uns calções , um boné enterrado à força pela minha mãe antes de sair e uma rede onde colocaria os meus prisioneiros de guerra.

A caça ao polvo não tem grande ciência. É um jogo de espera e convicção para o qual infelizmente fui perdendo talento e paciência ao longo dos anos. Na altura, era o meu destino encontrar o buraco certo. Em cada buraco que esgravatava tinha a certeza absoluta que se escondia um polvo. Conseguia vê-lo claramente através da minha imaginação e penso que isso era o que me tornava um bom apanhador de polvos. Cheguei a vir com 10 para casa num só dia.

Quando o polvo passava da minha imaginação para o meu campo de visão, começava a batalha. Atirava o gancho para o lado, e chamava-o para um mano-a-mano. Ele com tinta, eu com gritos, tentávamos confundir-nos mutuamente. Nunca percebi bem onde estão os olhos do polvo, ou mesmo se eles têm olhos, mas percebia quando o meu adversário estava distraído, lançando-lhe a mão e dando-lhe os golpes finais que não vou passar a descrever em texto, sob pena de impressionar os leitores mais sensíveis.

Realmente impressionante sobre tudo isto era que apesar de ser um enorme apreciador de polvo, e de a minha mãe ser exímia a prepará-los, os polvos que eu caçava nunca me sabiam tão bem. O meu respeito pelo adversário não me permitia saboreá-lo no prato tanto como no campo de batalha. 

A massa de mexilhões do meu pai, no entanto, nunca esteve longe de espetacular...

3 comments:

Catarina said...

E, por outro lado, "espetacular" precisa de levar o mesmo C, agora bonitinho, ali antes do T.

É pá, às vezes dá-me para isto, que fazer...

Miguel Carneiro said...

Ah, isso já é o brasileiro em mim falando, né?

Catarina said...

Bem, agora com o novo acordo ortográfico, ainda és capaz de levar a melhor...